16.01.2023 às 15:24h - Justiça
Teve início na manhã desta segunda-feira (16) o júri de Alexandra Salete Dougokenski, 35 anos, que responde pelo assassinato do filho Rafael Mateus Winques, 11. O julgamento ocorre no Fórum de Planalto, cidade de cerca de 10 mil habitantes no norte do Estado onde o menino foi encontrado morto.
A expectativa é de que o julgamento se estenda por três a quatro dias. A primeira parte do júri foi marcada pelo sorteio dos jurados e por dois depoimentos (leia abaixo).
Rafael desapareceu em 15 de maio de 2020 e teve o corpo encontrado 10 dias depois, após a mãe confessar o crime. O cadáver estava escondido numa caixa de papelão nas proximidades da casa onde eles moravam. A perícia apontou que a criança foi morta por asfixia — a acusação sustenta que a mulher usou uma corda de varal.
Alexandra é acusada de homicídio qualificado (motivo torpe, motivo fútil, asfixia, dissimulação e recurso que dificultou a defesa), ocultação de cadáver, falsidade ideológica e fraude processual. Presa pelo crime, atualmente ela nega ter cometido o assassinato, e a defesa alega que a morte foi responsabilidade do pai de Rafael, Rodrigo Winques, que morava na Serra quando o crime aconteceu.
Em março do ano passado, o júri chegou a começar, mas foi encerrado aos 11 minutos após a defesa da ré abandonar o plenário.
Movimentação
Por volta das 8h, antes do início do julgamento, já era possível ver movimentação no entorno do Fórum de Planalto. No entanto, a maior parte das pessoas que circulava era de funcionários que trabalham no júri e de imprensa. Diferentemente da outra ocasião, em que o júri chegou a ser iniciado e encerrado logo em seguida, dessa vez não havia a presença de moradores que buscavam acompanhar o caso.
Uma tia de Alexandra aguardava para acompanhar o júri in loco. Para Noeli Batista, 54, a mãe da criança é culpada pelo crime.
— Acho que ela não é inocente, não. Acho que ela fez mesmo. Desde a hora que ele desapareceu, eu acompanhei tudo. Eu estava na casa, e ela estava muito diferente. Ela não era a pessoa que eu conheci, que eu convivi. Ela mudou completamente. E dava para ver no rosto dela, na expressão dela, que alguma coisa estava acontecendo — disse a GZH.
Antes do início do julgamento, as partes envolvidas se manifestaram, ainda do lado de fora do Fórum. O Ministério Público diz ter convicção de que Alexandra será condenada.
— É um conteúdo altamente consistente, como apresentamos desde o início. Não existe a menor possibilidade de qualquer dessas teses (da defesa) vingarem. E o Ministério Público confia na comunidade de Planalto para que seja feita a Justiça, e para que a ré seja condenada à pena máxima — disse um dos promotores, Diogo Gomes Taborda.
O pai de Rafael, Rodrigo Winques, também espera que Alexandra seja condenada. Com frases custas, ele disse à imprensa que não tinha como esperar um crime desses e que não tem medo da acareação — momento em que ele e a mulher responderão a perguntas ao mesmo tempo.
— Para mim, não muda nada.
O advogado dele, Daniel Tonetto, assistente de acusação, diz confiar nos jurados.
— Pena que o julgamento não saiu naquele momento (em março de 2022). Mas tenho certeza de que vai sair agora e de que ela vai ser condenada, porque todas as provas apontam e indicam, sem sombra de dúvida, que ela é culpada.
O advogado de Alexandra, Jean Severo, falou rapidamente à imprensa. Ele disse que acredita que vai apresentar a verdade dos fatos e afirmou que mostrará imagens fortes ao longo do júri.
Sorteio dos jurados
O sorteio dos jurados começou pouco antes das 9h30min. Como o fórum de Planalto é pequeno, não havia espaço suficiente na sala onde é feito o júri. Assim, as portas do fórum foram fechadas e o sorteio foi feito no saguão do prédio.
Foram selecionados três homens e quatro mulheres para compor o Conselho de Sentença. São eles que ficarão responsáveis por dizer se Alexandra é ou não culpada pela morte do filho. O sorteio foi rápido e, por volta das 9h45min, já havia sido finalizado.
Primeiro depoimento
Somente familiares e as partes envolvidas no júri podem acompanhar o julgamento dentro da sala, devido às dimensões reduzidas do local. A imprensa acompanha a transmissão em uma outra sala, dentro do fórum.
O primeiro depoimento começou antes das 10h e era esperado para ser um dos mais emocionantes. Ana Maristela Stamm é professora há 32 anos e deu aulas a Rafael no Instituto Estadual de Educação Pedro Vitório. Quando foi morto, o menino estava no sexto ano, em uma turma de 12 crianças.
A educadora pediu para que seu depoimento não fosse transmitido, de forma que apenas algumas falas foram destacadas pelo Tribunal de Justiça.
Uma das informações ditas pela professora foi que Rafael era "muito inteligente, disciplinado e querido, mas muito quieto". Ela disse ainda que, durante as buscas pelo menino, foi algumas vezes à casa de Alexandra, que não parecia aflita e "se mostrava tranquila".
Delegado ouviu a confissão
O delegado Ercílio Carletti, que coordenou as investigações desde o início, foi o segundo a falar. Foi ele quem ouviu a primeira confissão de Alexandra, em 25 de maio, dia no qual ela indiciou onde estava o corpo do filho.
Ele relatou que, desde o início da investigação, a polícia dedicou todos os esforços possíveis para encontrar Rafael. Ele contou, inclusive, que deixou de acompanhar a esposa em um tratamento contra o câncer para se dedicar ao caso. Conforme Carletti, mais de 30 ou 40 perícias foram feitas e muitos depoimentos foram tomados ao longo da investigação — cerca de 50.
Segundo o delegado, várias linhas de investigação foram pensadas no início, e sendo descartadas aos poucos — como, por exemplo, a participação do pai de Rafael. Ele lembrou que Alexandra chegou a indicar o irmão como possível suspeito.
Questionado sobre o estado de ânimo de Alexandra quando foi registrar o depoimento, o delegado disse que não havia alteração.
— Normal. Ela estava normal.
Um dos pontos que causou estranhamento no delegado foi quando Alexandra chamou a polícia para alertar que havia encontrado um calendário com a marcação do dia 14 circulada — último dia em que Rafael teria sido visto com vida. O delegado, no entanto, lembra de ter visto o calendário antes disso, e afirma que não havia nenhuma marcação.
— Eu olhei o mês de maio do calendário justamente porque 10 de maio é o meu aniversário. Ela foi alçada à condição de suspeita justamente por causa do calendário.
Carletti relembrou que, no celular dela, havia pesquisas no Google sobre formulação do "boa noite, Cinderela", droga usada para adormecer. Questionada, a mulher não soube o que responder, mas disse que tinha feito essa busca para alertar os filhos sobre os riscos.
Em outro momento, o delegado e Alexandra conversaram sobre diferentes assuntos da vida, e o titular das investigações intuiu que ela precisava falar.
— Senti que ela queria falar. Que estava pesando demais para ela e que a coisa afunilou para ela. Até o dado momento em que ela falou que gostaria de abrir o coração e falar sobre o que tinha acontecido. Ela conversou com o Anderson (filho mais velho) e, quando saiu, ela me chamou.
Na confissão, segundo Carletti, Alexandra contou que conseguiu um medicamento e deu para o menino. Acreditando que estava morto, amarrou uma corda no pescoço e nas pernas, e o carregou, com uma espécie de alça. Na residência ao lado da casa, colocou o corpo em uma caixa de papelão, onde estavam várias sacolas, e recolocou as sacolas por cima do corpo.
— A gente conseguia ver a corda no pescoço. Aquilo não batia com a versão. Da forma que ela tinha me falado, a corda não podia estar "retinha". Quando suspende um corpo pelo peso dele, é obrigatório ficar "em formato de V", com um vínculo bem característico.
Tempo após o corpo ter sido encontrado, Alexandra apresentou outra versão à polícia, após dizer que gostaria de mudar o depoimento. Ela disse ter matado o filho com intenção.
— Ela deu uma versão lógica, que tem fundamento. Disse que deu um medicamento, que o menino ficou sonolento. Pegou a corda na área de serviço, fez o laço e estrangulou. Nisso o menino teria caído. Parece muito verossímil, porque ele tinha uma lesão do lado. (...) O motivo que ela apontou é a desobediência do menino. Ele não estava fazendo as tarefas de casa. Me surpreende alguém cometer um crime por isso, para mim é sem sentido.
O delegado disse ainda não ter coagido Alexandra a mudar a versão em nenhum momento e garantiu que não tem interesse pessoal no caso. Além disso, independemente da confissão, diz que "a prova dos autos fala por si só".
— Na minha carreira, não só como delegado, mas como agente, eu não me recordo de um inquérito com tanta riqueza de diligências. Tantas perícias e tanta calma para fazer o trabalho da melhor forma. Não me recordo de uma investigação tão bem elaborada.
O depoimento do delegado foi suspenso por volta das 12h35min e será retomado às 13h50min.
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Fonte: GZH
Foto(s): Ronaldo Bernardi / Agencia RBS
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