15.07.2025 às 08:06h - Geral
Em uma decisão da última sexta-feira (11), a juíza Cleni Serly Rauen Vieira, da Vara Regional de Garantias da Comarca da Capital, negou um pedido feito pela Polícia Civil de Santa Catarina para que fossem cumpridos mandados de busca e apreensão contra 130 alunos que supostamente teriam cometido o crime de falsidade ideológica para acessar os programas Universidade Gratuita e Fumdesc.
As investigações são comandadas pela Delegacia de Defraudações, vinculada à Diretoria Estadual de Investigações Criminais (DEIC), que fez o pedido das buscas ao Judiciário. Os trabalhos da Polícia Civil começaram após uma solicitação do governador Jorginho Mello para que a corporação apurasse os indícios levantados pelo Tribunal de Contas do Estado (TCE) sobre suspeitas de fraudes nos programas. A coluna teve acesso ao despacho judicial e traz os detalhes abaixo.
O pedido da Delegacia de Defraudações pelas buscas contra as 130 pessoas nos endereços domiciliares foi acompanhado também da solicitação da quebra do sigilo de dados telemáticos e informáticos eventualmente armazenados nos dispositivos eletrônicos que viessem a ser apreendidos durante o cumprimento das diligências. O Ministério Público manifestou-se pelo “integral deferimento” dos pedidos da Polícia Civil “por entender presentes os requisitos legais para a decretação das medidas, ao argumento de que há fortes indícios de inconsistências nas informações prestadas por beneficiários dos Programas”.
Os agentes da delegacia responsável pelas investigações justificaram que relatórios do TCE-SC e da Controladoria-Geral do Estado (CGE) revelaram um vasto panorama de inconsistências nas informações socioeconômicas autodeclaradas pelos estudantes no ato da inscrição, especialmente nos itens de composição da renda familiar, titularidade de patrimônio e existência de vínculos empregatícios. A Polícia Civil, então, afirma que por conta do “volume extraordinário de casos suspeitos – que, segundo as estimativas, ultrapassariam dez mil beneficiários -, estrategicamente adotou um recorte técnico-operacional, priorizando, nesta fase inicial, um grupo de 130 alvos, selecionados com base em critérios de indícios mais evidentes e maior impacto financeiro”.
Para a juíza, entretanto, “de maneira geral, para que haja a busca e a apreensão, não só deve haver crime sob apuração, como aquilo que se busca, em poder de alguém relacionado ao fato criminoso, deve estar sob o risco concreto de perder-se”. No despacho, Cleny diz que o caso submete ao juízo “um pleito de elevada complexidade e sensibilidade, que coloca em rota de colisão, de um lado, o dever estatal de apurar a suposta malversação de vultosos recursos públicos e, de outro, a salvaguarda de direitos e garantias fundamentais de primeira geração, notadamente a inviolabilidade do domicílio e a proteção à intimidade e à privacidade, consagrados no artigo 5º, incisos X, XI eXII, da Constituição da República Federativa do Brasil”.
A magistrada diz que a decretação de medidas cautelares de natureza real, como a busca e apreensão domiciliar, e de medidas que afetam o sigilo de dados, representa uma das mais drásticas intervenções do poder estatal na esfera de liberdade do indivíduo. Assim, no entendimento dela, a autorização judicial de busca e apreensão “não pode ser um ato automático ou burocrático, mas sim o resultado de uma criteriosa e ponderada análise, que deve verificar, deforma rigorosa e inequívoca, o preenchimento dos pressupostos constitucionais e legais que acondicionam”.
Importância do programa
Ao explicar os motivos da negativa dos pedidos, a juíza fala que a “suspeita de que tal sistema possa estar sendo sistematicamente fraudado por declarações falsas, em prejuízo do erário e dos estudantes que verdadeiramente necessitam do auxílio, convoca, sem dúvida, uma atuação firme e eficiente dos órgãos de persecução penal”. Todavia, ressalta, “como já ressaltado, as fundadas razões, indispensáveis para autorizar a medida cautelar aqui pretendida, não se confundem com meras conjecturas, ilações ou suspeitas vagas, devendo haver um conjunto consistente de elementos e apurações prévias que indiquem uma probabilidade concreta , alicerçada em elementos informativos robustos ,de que um crime está em andamento ou foi praticado e de que, no local indicado, serão encontrados instrumentos, objetos ou documentos pertinentes à sua elucidação, bem como que haja razoável nexo de causalidade relacionado ao investigado”.
Na sequência, a magistrada faz uma crítica ao pedido das buscas: “No caso em apreço, um dos vícios mais flagrantes que macula a representação é a sua absoluta generalidade e a consequente ausência de individualização das condutas imputadas a cada um dos 130 alvos”. Ela ainda afirma: “A Autoridade Policial apresenta um panorama geral das fraudes, descreve a metodologia dos relatórios da CGE e do TCE, justifica a necessidade do “recorte técnico-operacional” e, ao final, anexa uma lista com 130 nomes, CPFs e endereços, pleiteando a expedição de mandados de busca e apreensão para todos, de forma indistinta e com base em uma fundamentação única e monolítica”.
Em outro trecho da decisão, Cleny diz que “o juiz, em seu mister de garantidor dos direitos fundamentais, tem o dever de analisar, para cada um dos 130 alvos, se as “fundadas razões” exigidas pelo artigo 240, § 1º,do CPP estão presentes”. A crítica da magistrada segue: “Ao apresentar um pedido “em bloco”, a Autoridade Policial transfere indevidamente ao Poder Judiciário o ônus que lhe cabe, qual seja, o de demonstrar a justa causa para a ação em relação a cada investigado”. A juíza ainda destaca que faltaram informações importantes: “Não há nos autos qualquer ofício expedido às universidades solicitando cópia dos dossiês dos 130 estudantes selecionados, nem qualquer notícia de que tal requisição tenha sido negada ou frustrada”.
O despacho da magistrada ainda segue com uma referência ao Ministério Público. Para ela, o posicionamento da promotoria, com “a mera repetição de indícios genéricos, desacompanhada da análise individualizada dos requisitos legais – notadamente das “fundadas razões” e da subsidiariedade em relação a cada um dos investigados – revela-se incompatível com a função constitucional do Ministério Público, na medida em que compromete a legalidade e a legitimidade das medidas pleiteadas, que possuem caráter eminentemente excepcional e restritivo de direitos fundamentais”.
Conclusão do despacho
Ao final, a juíza da Vara de Garantias indefere os pedidos feitos pela Polícia Civil. Ao mesmo tempo, ela ressalta que a “decisão não obsta a formulação de nova representação”. No entanto, o novo pedido, deverá “individualizar pormenorizadamente a situação de cada investigado, demonstrando, com base em elementos concretos, as fundadas razões que justificam a medida excepcional para cada domicílio específico, bem como comprovar o exaurimento das vias investigativas alternativas e menos invasivas, em especial a requisição de documentos às Instituições de Ensino Superior e aos próprios investigados”.
Além disso, Cleny determinou um ofício às Corregedorias da Polícia Civil e do MP-SC com cópia do processo para “ciência e adoção de providências que entenderem cabíveis, respectivamente, quanto às condutas funcionais da Autoridade Policial e do representante do Ministério Público”.
Fonte: NSC Total
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