03.12.2025 às 08:48h - Geral

Bets e apostas custam R$ 30 bilhões por ano à saúde no Brasil, revela estudo inédito

Ricardo Orso

Por: Ricardo Orso São Miguel do Oeste - SC

Bets e apostas custam R$ 30 bilhões por ano à saúde no Brasil, revela estudo inédito
Foto: Patrick Rodrigues, NSC Total

Um estudo inédito publicado nesta terça-feira, 2, revelou que os danos associados às bets e jogos de azar custam anualmente à saúde ao Brasil cerca de R$ 30,6 bilhões. O dossiê “A Saúde dos brasileiros em jogo” é uma iniciativa do Instituto de Estudos para Políticas de Saúde (Ieps) em parceria com a Frente Parlamentar Mista para Promoção da Saúde Mental (FPSM) e a Umane. O documento analisa, de forma integrada, os efeitos sanitários, econômicos e sociais da rápida expansão das apostas online no Brasil.

De acordo com o Banco Central (BC), os brasileiros destinaram cerca de R$ 240 bilhões às bets em 2024 e os beneficiários do Bolsa Família gastaram R$ 3 bilhões em bets, por meio de Pix, em agosto de 2024. As casas de aposta, vale lembrar, foram legalizadas no Brasil em 2018, regulamentadas apenas em 2023 e só passaram a pagar volume maior de impostos a partir de 2025. Até setembro deste ano, a arrecadação com a atividade chegou a R$ 6,8 bilhões, diz o relatório. No mês seguinte, o acumulado passou para perto de R$ 8 bilhões.

Para além das perdas associadas à saúde, estima-se que essas apostas geram custo social anual total de R$ 38,8 bilhões, sendo R$ 17 bilhões causados por mortes adicionais por suicídio. Em Joinville, no Norte de Santa Catarina, Adriana Rafaela Corrente, professora, viveu na pele esse drama, já que perdeu o filho para os jogos de azar. Leonardo Lucio Pereira tirou a própria vida por conta de dívidas relacionadas às apostas online.

Perdas causadas pelas apostas em números

Custo social anual total de R$ 38,8 bilhões, sendo:

- R$ 17 bilhões por mortes adicionais por suicídio

- R$ 10,4 bilhões por perda de qualidade de vida com depressão

- R$ 3 bilhões em tratamentos médicos para depressão

- O custo total ligado à saúde chega a R$ 30,6 bilhões (78,8% do total).

- R$ 1,3 bilhões com perda de moradia

-R$ 2,1 bilhões com benefícios de seguro-desemprego (R$ 2,1 bilhões)

- R$ 4,7 bilhões por encarceramento por atividade criminal

Leo era surfista, gostava de acampar, sair para lanchar com os amigos e amava o trabalho que tinha como sushiman. Porém, durante um período desempregado, em que havia perdido o movimento do dedo por conta de um acidente, começou a jogar.

A mãe acredita que Leo tenha começado a apostar há cerca de dois anos porque estava sem dinheiro. Para ela, o filho chegou a ganhar nas primeiras apostas entre R$ 500 e R$ 1 mil, o que o incentivou a continuar apostando.

— No início ganha, e ganha muito bem. A partir daí, esses jogos já te dão uma esperança, o que já está errado. Então, o Leo, se eu não estou enganada, no começo ganhava porque, às vezes, ele soltava, “ah, ganhei 500, ganhei mil”. Só que foi só por um tempo. Depois ele só perdeu. Tanto é que ficou todos esses meses patinando. Ele não ganhava, mas já estava tão fissurado que ele próprio não enxergava isso — conta a mãe.

Adriana descobriu só em abril de 2024 que o filho estava viciado em jogos de azar. Na época, chegou a pegar um empréstimo de R$ 10 mil para que Leo pagasse dívidas contraídas pelas apostas.

— Foi naquele dia que eu soube que ele estava viciado em apostas e que para isso ele pegava dinheiro de outras pessoas para continuar jogando. No primeiro momento, o que a gente fez? Ele pediu ajuda e disse: “Mãe, me ajuda, um psiquiatra, uma terapia, alguma coisa assim?” No mesmo dia eu entrei em contato com uma terapeuta e a gente já conseguiu encaminhar ele para uma terapia de dependência. Assim, aparentemente, ele ficou bem por uns dois ou três meses — lembra Adriana.

Por conta dos empréstimos e outros problemas financeiros, a família havia ficado sem dinheiro e a mãe não tinha mais como pagar as terapias de Leo, que então foram suspensas. Como ele estava aparentemente melhor, Adriana não sabia que o filho voltaria a jogar.

— Em junho de 2024, as minhas contas foram bloqueadas por um processo de divórcio que eu tenho. E aí eu fiquei sem dinheiro. Não tinha mais, eu não tinha dinheiro para nada. Só para comprar o alimento básico de casa — conta Adriana.

Leo não contou para a mãe que tinha voltado a jogar, mas ela desconfiou por conta do comportamento do filho. Ele, que costumava ser alegre e brincalhão, passara a ficar mais nervoso, angustiado e agitado.

— Quando eu ia conversar com ele sobre isso, ele ficava angustiado, porque não conseguia sair das apostas. Eu percebia, era nítido, sabe? A pessoa que ele era se transformava — conta a mãe.

No final de julho, Adriana chegou a antecipar o 13º salário para pagar mais uma dívida do filho. A mãe acreditava que tinha dado fim aos débitos. Nos últimos dias do mês, Leo estava mais contente, fazia planos de se mudar para Portugal com a irmã, que já morava na Europa. Queria voltar a ser guarda-vidas na praia e ajudar os avós.

— Ele era um cara bacana, todo mundo gostava dele, estava sempre brincando, sempre sorrindo. Ele tinha um coração gigante — lembra a mãe.

Com lágrimas nos olhos, Adriana conta que foi no dia 4 de agosto de 2024 que perdeu Leonardo. Acordou cedo na manhã de uma quinta-feira e não ouviu o filho no quarto. Achou que estivesse dormindo. Pouco tempo depois descobriu que Leonardo tinha tirado a própria vida. A mãe acredita fielmente que foi por conta das dívidas das apostas e da falta de perspectiva de sair daquela situação.

— Eu acredito mesmo que ele estava angustiado, que ele queria acabar com aquilo e não conseguia — conta a mãe, em meio às lágrimas.

Ainda hoje, Adriana recebe mensagens de promoções de jogos on-line, e denuncia todas as publicações e propagandas que vê. No coração, ficou a saudade do filho e a revolta por quem incentiva jogos como o Fortune Tiger, o famoso “jogo do tigrinho”, e bets esportivas.

— Não é uma questão de “joga quem quer”. A partir do momento que eles mostram que você pode ficar rico, que você vai ficar milionário, que você vai comprar um carrão, as pessoas influenciam — diz Adriana, com revolta.

A mãe que perdeu o filho para as bets espera que, de alguma forma, esses jogos tenham regras mais rígidas no país. Também acredita que a mudança pode começar com as pessoas deixando de propagar os jogos. Para ela, é importante alertar as famílias sobre o risco dos jogos e a importância do tratamento.

— A terapia deu uma boa ajuda para ele. E é isso que talvez me doeu mais, de eu não poder ter feito mais porque não tinha dinheiro. Porque eu acho que se ele tivesse continuado, ele estaria aqui hoje — diz a mãe.

Fonte: NSC Total

Comentar pelo Facebook

Fique por dentro das últimas novidades do Portal Peperi.